quinta-feira, 26 de maio de 2016

Jornada Científica


Essa semana, 25 e 26 de maio, acontece em Quebéc a Jornada da Pesquisa em Saúde da Faculdade de Medicina da Université Laval intitulada esse ano “Venha ver seu Mundo”. – O título me remete a principalmente dois pontos: 1) Saia do seu laboratório e 2) conheça seu mundo.
Um – Saia do seu laboratório e veja o que está acontecendo na bancada da frente. Os grupos de diferentes pesquisas por aqui ficam a alguns metros de distância uns dos outros. As linhas de pesquisas e tudo o que acompanha um pesquisador é separado por não mais que uma bancada. O que divide uma pesquisa com Leishmania e Malária é um corredor. Câncer e vírus ficam a um andar de distância. Plataforma de genómica, proteômica, bioinformática, Lupus, Doença cardíaca, desenvolvimento de biomarcadores, vacinas, neurociência..., .... , .... são divididos por alguns metros dentro do mesmo hospital. Mas na correria do dia-a-dia você acaba se acostumando e desconsiderando tudo isso, porque você tá focado na sua pesquisa e trabalho e não tem tempo pra mais nada.
Dois – seu mundo é o Quebéc, Canadá, Brasil, Libéria, Uganda, EUA, França.... Desde cedo o estudante da Ulaval tem muito contato com estrageiros, imigrantes, estudantes intercambistas, pesquisadores visitantes etc. Seu mundo então, é mais abrangente do que a cidade em que vive – e a ciência que você produz, deve impactar local e/ou globalmente. Pra traduzir melhor meu segundo ponto e não dizer que estou exagerando – vejamos o título da palestra de abertura “Bâtir une plateforme innovante de réponse rapide aux infections - multitude d'expertises en recherche fondamentale, appliquée et clinique”. Utilizando o exemplo do vírus Ebola, na qual houve e há um esforço de cooperação internacional para a rápida identificação/teste/diagnóstico/.../ o palestrante demonstrou a importância da faculdade de medicina da Ulaval em continuar suas pesquisas tanto em área fundamental quanto aplicada e clínica, sempre ponderando e correlacionando com as parcerias possíveis.
Gary Kobinger na palestra de abertura falando sobre cooperação internacional.

Então, saindo um pouco do meu mundo científico infinito particular, pude me afogar um pouco na imensidão de trabalhos que são realizados a metros de distância. Clique nesse link e veja a quantidade de trabalhos que serão apresentados nesses 2 dias :


Alguns pontos que contribuem para o sucesso do evento.


Antecedência

Você faz a inscrição com meses de antecedência.  As inscrições começaram em fevereiro e acabaram em 15 de março. Lembre que não é um evento internacional, nem regional, nem da universidade. É de uma unidade (Faculdade de Medicina) de uma Universidade (ULaval).

Alunos, Inscrições e Trabalhos

As apresentações são feitas por pós-doutores, alunos de doutorado, mestrado e até mesmo da graduação. Desta forma existe uma interação e aprendizado desde o primeiro passo no mundo científico.

Horário
Como todo congresso, temos as apresentações orais e posters. Nas orais, 10 min cada, mais 5 min pra perguntas e troca de palestrante. 15 min é 15 min. Contado cada segundo. Funciona. É uma mistura de responsabilidade individual e coletiva + educação + programação + preparo. “Mas e imprevistos, sempre tem!” Não, não tem. Novamente: É uma mistura de responsabilidade individual e coletiva + educação + programação + preparo.

Falta de molejo

Pausa pra falta de molejo


Comida


Durante toda a tarde, maçãs verdes e vermelhas + café. No almoço, um prato leve a base de salada. E ao final, um cocktail com suco aguado em taça de vidro e pipoca em pote de pipoca.

Fórmula Geral para o evento e para as pesquisas
Junte Ética, responsabilidade e trabalho duro com estrutura e dinheiro.



domingo, 22 de maio de 2016

Você é o que sua mãe comeu

Pesquisadores de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, em conjunto com pesquisadores de Torrance, Califórnia, EUA, estudaram se a restrição alimentar durante a gestação causaria alterações na sensibilidade e aceitabilidade do sabor doce. 

O que eles encontraram foi muito interessante. Pelos resultados de Laureano et al. (2016), indivíduos cujas mães passaram por restrição alimentar durante a gestação, além de terem nascido menores, apresentaram maior aceitabilidade ao sabor doce. Ou seja, pode existir uma maior possibilidade desses indivíduos se tornarem obesos.

Como foi feito?


Obviamente os autores não estudaram seres humanos, mas ratos. E, curiosamente, para determinar a  aceitação das soluções de sucrose fui utilizada uma metodologia que mede as expressões faciais dos ratos. Essa técnica observa as expressões faciais logo após a ingestão de algum alimento, contando o número de vezes que o rato coloca a língua para fora e os movimentos ritmados da boca.

Alimentos e resposta corporal


Esses resultados vão ao encontro da máxima de que você é o que você come e, ainda, mostram que a alimentação durante a gravidez pode influenciar muito o feto. Estudando as alterações ao nível de desejo e tolerância ao sabor doce, os indivíduos cujas mães passaram por restrição alimentar quando gestantes, a pesquisa de Laureano et al. (2016) oferece um passo a mais na compreensão da gestação e da influência materna na expressão genética do feto.
Diversos pesquisadores têm estudado de que forma alimentos podem influenciar no aumento da produção ou/e na atividade (expressão) de genes. Como, por exemplo, o corpo responde quando em diferentes períodos de jejum ou em dietas de baixa ou alta caloria, excesso de gordura, falta de proteínas, entre outras. 
No caso deste estudo, os pesquisadores não fizeram a análise da expressão genética, mas observaram que receptores no cérebro ligados à saciedade tiveram alterações significativas no caso dos ratos que as mães passaram por restrição alimentar. Essas alterações estariam relacionadas à maior tolerância ao sabor doce.

Por favor, não se assuste e passe a comer em dobro. Os cientistas fizeram o experimento deixando as fêmeas gravidas em restrição de 50 % dos alimentos necessários durante metade da gravidez. Uma severa restrição e por um longo período. 

Se você está gravida procure um médico e um nutricionista. Faça um acompanhamento rígido da qualidade da sua alimentação. 

Se você é amante dos doces e está com sobre peso, não culpe sua mãe. Talvez seja mais difícil para você tolerar a falta de doces durante a dieta, mas com força de vontade você consegue. 

Até o próximo

Laureano, D. P. et al. Intrauterine growth restriction modifies the hedonic response to sweet taste in newborn pups – Role of the accumbal μ-opioid receptors. Neuroscience 322, 500–508 (2016).






quarta-feira, 18 de maio de 2016

Parasitas resistentes

Ouvimos bastante falar sobre a resistência das bactérias aos antibióticos, causada principalmente pelo uso indiscriminado de medicamentos. O mesmo processo de resistência às drogas pode ser observado em diversos parasitas, incluindo em Leishmania – patógeno causador da leishmaniose canina e humana.
A existência e o aparecimento de parasitas resistentes às drogas é bastante preocupante, visto que a quantidade de drogas disponíveis para o tratamento da leishmaniose é bastante limitada e podem ser contadas nos dedos das mãos. Um outro fator agravante consiste em que nem todos os mecanismos de ação das drogas no combate ao microorganismo é conhecido, tão pouco também se sabe como esses parasitas se tornam resistentes. 
Em estratégia inovadora, pesquisadores no Canadá contribuíram significativamente para o tema. Combinando duas técnicas relativamente recentes no mundo da microbiologia e biologia molecular os cientistas conseguiram identificar vários genes que estão relacionados à resistência a alguns medicamentos e que podem também ser utilizados na identificação de novos alvos para novas drogas.

Parasita causador da leishmaniose. 

Vulgarizando a receita:

Extração
Pegue algumas Leishmanias e extraia seu DNA;
Enzimas de restrição
Faça alguns cortes no DNA em locais específicos e conhecidos utilizado tesouras específicas;
Clonagem
Cole esses pedaços junto com um marcador e reproduza vários desses fragmentos de DNA;
Transfecção
Jogue esses fragmentos de DNA pra dentro de outra Leishmania;
Ao final dessa etapa você terá várias Leishmanias com vários fragmentos extras de DNA;
Drug pressure
Coloque gradativamente as drogas utilizadas para o tratamento da leishmaniose em contato com a Leishmania transfectada;
Sobreviventes - Espere pela resposta
As Leishmanias que forem mais resistentes à pressão seletiva das drogas utilizadas no estudo sobreviverão e devem conter fragmentos de DNA (genes) relacionados aos mecanismos de resistência;
Descubra qual o gene
Purifique, sequencie esse fragmento e identifique qual o gene que está conferindo resistência à Leishmania.

Com esse experimento, foi possível identificar vários genes, proteínas e possíveis mecanismos associados com a resistência de todas as drogas utilizadas atualmente para o tratamento da leishmaniose. O trabalho identifica e disponibiliza uma lista de locais no DNA que podem estar diretamente ou indiretamente ligados à resistência e que podem também serem estudados para a descoberta de novos alvos terapêuticos aumentando a perspectiva na procura por novas drogas com maior eficácia, menor custo, menor toxicidade e menor capacidade de resistência dos microrganismos

1.        Gazanion É, Fernández-Prada C, Papadopoulou B, Leprohon P, Ouellette M. Cos-Seq for high-throughput identification of drug target and resistance mechanisms in the protozoan parasite Leishmania. Proc Natl Acad Sci. 2016;(May):201520693.


domingo, 15 de maio de 2016

Manteiga ou margarina, eis a questão.

Existe um grande debate sobre qual é melhor para a saúde: manteiga ou margarina?

Vamos tentar explicar o porquê dessa batalha titânica.

A manteiga


A manteiga comum é produzida a partir da gordura do leite da vaca. Essa gordura apresenta altos níveis de gordura saturada e traços de gordura trans. Isso mesmo, a gordura do leite apresenta traços de gordura trans, assim como a gordura da carne de qualquer ruminante, como é o caso dos bovinos. Além disso, a gordura proveniente de fontes animais apresenta o famoso, e também temido, colesterol. 

A margarina


A margarina é produzida a partir de óleos vegetais. Estes óleos são líquidos a temperatura ambiente e para ficarem sólidos passam, na maioria das vezes, por um processo de hidrogenação parcial. Durante esse processo, gorduras trans são formadas. Até a década de 90 as quantidades de gordura trans presentes na margarina eram excessivamente altas e o consumo de margarina estimulado, por causa do baixo preço e a não presença de colesterol. Isso causou um aumento significativo no consumo de gorduras trans. 

Disputa


Com o passar dos anos descobriu-se que a ingestão de gorduras trans causava os mesmos problemas que o alto consumo de gorduras saturadas e colesterol. Ou seja, o excesso pode causar a elevação dos níveis de LDL, o colesterol ruim (isso mesmo, nem todo colesterol é ruim), reduzir os níveis do HDL, colesterol bom, e aumentar a possibilidade de formação de placas de gordura nas artérias. Atualmente, a organização mundial de saúde fala em um consumo ideal de gorduras trans menor que 1 % da ingestão energética total. Para uma pessoa que consome 2000 calorias por dia, a quantidade máxima ideal de gordura trans ingerida seria de 2.2 gramas. Para o colesterol, os níveis são ainda mais baixos, cerca de 300 mg por dia. 

Para ter uma ideia, a manteiga apresenta cerca de 3.3 g e 215 mg de gordura trans e de colesterol, respectivamente, em cada 100 g de produto. A margarina não apresenta colesterol, mas a quantidade de gordura trans pode variar muito indo de 0.5 a 30 g por 100 gramas do produto (Vucic et al., 2015). 

Olhando recentes pesquisas feitas por Vucic et al. (2015), Riobó e Breton (2014) e Ratnayake et al. (2007) é possível observar a tentativa das empresas em reduzir a quantidade de gordura trans nas margarinas. Novos processos de solidificação do óleo vegetal estão sendo utilizados, desenvolvendo margarinas com menores teores de gordura trans. Também é possível observar que entre margarinas parcialmente hidrogenadas as mais "macias" apresentam menores quantidades de gordura trans. As margarinas mais "duras", utilizadas na produção de pão, na substituição da gordura animal, apresentam grandes quantidades de gordura trans e não deveriam ser utilizadas.

Atenção


Fique atento ao rótulo das margarinas e evite o consumo excessivo de pães e bolos industrializados, a menos que a quantidade de gordura trans esteja discriminada no rótulo. Lembre-se, também, que o consumo de colesterol é indispensável para a produção de hormônios. Procure um nutricionista e veja qual é a melhor pedida para você. Sua saúde vale muito.

Não me estenderei mais nesse assunto nesse post, qualquer dúvida me enviem uma pergunta que respondo no próximo post.




Breton, I. Ingesta De Grasas Trans; Situación En España. Nutricion Hospitalaria 704–711 (2014). doi:10.3305/nh.2014.29.4.7337
Ratnayake, W. M. N. et al. trans Fatty Acid Content of Canadian Margarines Prior to Mandatory trans Fat Labelling. Journal of the American Oil Chemists’ Society 84, 817–825 (2007).
Vučić, V. et al. Trans fatty acid content in Serbian margarines: Urgent need for legislative changes and consumer information. Food Chemistry 185, 437–440 (2015).