domingo, 19 de junho de 2016

1000 dias para o resto de sua vida

A preocupação com a obesidade chega a ser uma obsessão, tanto pelos diversos problemas de saúde que pode acarretar, como também pela ditadura da beleza que ainda considera o corpo magro mais belo.

Alguns estudos têm sido feitos para determinar as causas da obesidade na infância e na vida adulta. Um dos últimos artigos sobre o assunto foi o escrito por Baidal et al. (2016) na American Journal of Preventive Medicine. Neste trabalho, os autores chamam a atenção para a grande influência dos primeiros dias de vida da criança na predisposição à obesidade.

Os autores chegaram a conclusão de que os 1000 primeiros dias de vida das crianças influenciam drasticamente os resto de suas vidas. A obesidade nessa fase da infância, período em que as decisões sobre a alimentação da criança são exclusivas dos pais, pode aumentar muito a probabilidade de obesidade durante as outras fases de vida. Além disso, algumas atitudes dos pais podem influenciar na probabilidade da criança ser obesa nessa fase. 

Alguns pontos que são de influência exclusiva da mãe, como o controle do peso antes da concepção, o controle do ganho de peso durante a gestação e evitar o consumo de tabaco (cigarro), podem auxiliar no controle de obesidade dos recém nascidos. Alguns estudos dizem que o maior peso de recém nascidos poderia estar diretamente relacionado com obesidade posterior. 

Após o nascimento, a alimentação e a qualidade do sono dos bebes também são fatores que devem ser controlados, pois bebes consomem comidas sólidas antes dos 6 meses ou que dormem menos de 12 horas por dia teriam maiores probabilidade de serem obesos.

Este é um tema muito estudado e controverso. As pesquisas são complexas e, geralmente, os resultados são parciais ou incompletos. No entanto, acho a informação válida e fica o alerta para as mulheres sobre a importância da boa alimentação mesmo antes da gravidez desejada.

Este texto é complementar a outro já escrito no blog, que mostra a influência da alimentação da mãe durante a gestação e alterações cerebrais ligadas a saciedade. Clique aqui para ler.

Até o próximo

Baidal et al. (2016) Risk factors for childhood obesity in the first 1000 days. American Journal of Preventive Medicine. Published by Elsevier Inc., 50(6):761–779. 

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Gato por lebre

A adulteração de alimentos é algo antigo na industria de alimentos. Felizmente, com o aumento do controle da qualidade dos alimentos e da responsabilidade das empresas em relação a sua marca estas adulterações estão sendo cada vez mais facilmente identificadas ou mesmo evitadas. Mas ainda existem casos, por exemplo, no Brasil, é possível encontrar notícias de que leite foi adulterado com formol, soda caustica ou água oxigenada

Na realidade este problema não é apenas brasileiro, do nosso jeitinho, como muitos amam dizer. A adulteração de alimentos é um problema mundial, pois o processamento pode fazer matérias primas diferentes assumirem características semelhantes. 

Uma das áreas alimentícias mais afetadas pela adulteração é a de pescados, principalmente, os produtos processados. A troca de um tipo de peixe por outro é comum, uma vez que a textura, sabor e, até mesmo, estrutura anatômica dos peixes podem ser semelhantes. 

Isso é um grande problema para a industria de alimentos, devido a necessidade de autenticidade dos rótulos e rastreamento do produto, e para a ecologia marinha que visa a manutenção de certas espécies de peixes.

Tagliavia et al. (2016) escreveram um ótimo trabalho sobre a necessidade de identificação dos peixes e comprovação da autenticidade dos rótulos. Neste trabalho, eles aprimoram a extração do DNA dos peixes e fizeram o sequenciamento. Através da extração e sequenciamento do DNA a identificação de alterações das espécies de peixes utilizadas e local da captura seria possível.

A técnica de extração de DNA utilizada pareceu promissora e aponta para um novo rumo do controle de qualidade dos alimentos num futuro próximo.

Até

Tagliavia, M. et al. Development of a fast DNA extraction method for sea food and marine species identification. Food Chemistry 203, 375–378 (2016).



domingo, 5 de junho de 2016

Metabolizando a gordura trans...


Youngjoo Kwon, cientista da universidade Ewha Womans, na Coréia do Sul, escreveu uma ótima revisão sobre o metabolismo e efeitos das gorduras trans no corpo humano.

Como já descrito em um texto anterior, as gorduras trans estão presentes na gordura proveniente de ruminantes, leite ou carne, e em gorduras vegetais produzidas por hidrogenação parcial. 

Muitos sabem que a gordura trans faz mal  à saúde causando a redução do HDL (colesterol bom), aumento do LDL (colesterol ruim) e, consequentemente, aumentando as possibilidades de problema coronariano. No entanto, existem outros problemas relacionados a ingestão dessa gordura? 

Após ingerida, as gorduras trans são facilmente absorvidas pelo corpo. O caminho mais provável dessa absorção é via intestino delgado, caindo diretamente no sangue. Após chegar ao sangue ela se acumula nos mesmos tecidos que as outras gorduras, como tecidos adiposos e tecidos de orgãos ou artérias. 

Como sabido, as gorduras trans apresentam um ponto de fusão elevado, o que é fator critico para sua fácil solidificação. Essa solidificação pode gerar problemas principalmente quando ocorre dentro dos sistemas circulatórios, causando derrame ou enfarto.

Algo surpreendente, comentado por Youngjoo Kwon (2016), é que algumas gorduras trans podem assumir posições na membrana celular das células, causando alterações estruturais da membrana. As alterações nas membranas celulares, por algum motivo, causariam um aumento na via metabólica de acúmulo de gordura.

Outro ponto preocupante é que essa gordura trans após acumulada nos tecidos não é facilmente utilizada pelo corpo. Os caminhos metabólicos para o uso dessa gordura não são favoráveis, causando um constante acúmulo de gordura nos tecidos.

Sinceramente, a notícia de que a gordura trans pode interferir ao nível celular do corpo humano, alterando as características das membranas celulares, e, além disso, se acumular facilmente nos tecidos, gerar uma maior tendência de acumulo de gordura e não ser facilmente consumida pelo corpo, me deixou preocupado.

Chamo a atenção para um último ponto, como mencionado no artigo, não são todas as moléculas de gordura trans que comprovadamente causam esses males. Mas mesmo assim é de causar preocupação, uma vez que no rótulo dos alimentos não estão descritos os tipos de moléculas de gordura trans presentes. 

E você? O que você acha? Disposto a mudar seus hábitos alimentares?

Até o próximo.

Youngjoo Kwon (2016) Effect of trans–fatty acids on lipid metabolism: Mechanisms for their adverse health effects, Food Reviews International, 32:3, 323-339, DOI: 10.1080/87559129.2015.1075214 


  

quinta-feira, 2 de junho de 2016

A base teórica dos medicamentos, vacinas, tratamentos e prevenções.

Como sabemos que a proteína X é responsável pela ligação do cofator Y com a molécula Z e que afeta o mecanismo A que pode ser interrompido utilizando a droga D que bloqueia...ok já entendeu onde quero chegar né?  Com dois artigos bem simples e não tão recentes vamos ver como fazemos pra entender as bases teóricas necessárias para o entendimento dos processos e consequente produção/identificação de medicamentos, vacinas, tratamentos e prevenções.

Primeiro tenha em mente o dogma central da biologia molecular.

DNA-->RNA-->Proteína
  
Quer estudar um carro, mas você não sabe como um carro funciona? Vai tirando as partes dele, de uma por uma, e verificando os defeitos que ocorrem. Correlacione cada resultado encontrado anteriormente com motos, navios, aviões e outros modelos de carros com os seus experimentos e vá construindo de pouco em pouco a sua base teórica.

Montando o quebra-cabeça, cada peça, cada proteína.
Por onde começar?

Similaridade do DNA
Todo o genoma humano e de várias centenas de outros organismos já estão disponíveis na web pra quem se interessar. Então, para estudar uma proteína específica em um determinado organismo, identificar a similaridade do gene desta proteína em um organismo já sequenciado e verificar a similaridade (blast) desse fragmento de DNA no organismo de interesse é um bom começo pra estudo. No artigo em questão foi verificado mais de 65% de similaridade do gene de Trypanosoma com o gene de ratos, que por sua vez também é similar ao gene humano.

Ploydia
Como vimos no ensino médio, temos 46 cromossomos, ou mais especificamente temos duas cópias de cada um dos 23 cromossomos. O que quer dizer que temos ao menos, duas cópias de cada gene específico. Mas isso só pra humanos, cada espécie tem números de cromossomos diferentes e ploydias (duplicações, triplicações ...) diferentes. Por meio de Southern blot, pode-se verificar que o gene estudado possui somente duas cópias. Qual a importância disso? Bom, isso é essencial pra o próximo passo.

Deleção
Para se testar a funcionalidade de um gene/proteína, uma das formas de estudo é deletar o gene e ver o que acontece. Verificar e analisar os processos são afetados, e a partir de então ir montando o quebra-cabeça e estudando mais e mais genes/proteínas pra construir e interconectar cada mecanismos intracelular. No artigo, os pesquisadores demonstraram que foi possível realizar a deleção de uma cópia mas não das duas, indicando que este gene é importante para a sobrevida do microrganismo e consequentemente essencial.

Proteína – identificação
Utilizando anticorpo específico para a proteína é possível, identificá-la, verificar o seu tamanho, comparar com as outras já conhecidas, e verificar por exemplo quando a proteína é mais ou menos expressa – quando ela é mais ou menos necessária em diferentes condições.

Proteína – Localização
Com o mesmo anticorpo, adicionado com marcações fluorescentes, pode-se verificar a localização da proteína na célula e correlacionar com os processos específicos a essa localidade. A proteína em estudo tem distribuição citoplasmática e abundante. O que não ajuda muito quando se quer especificar a função da proteína, mas sugere múltiplas funções.

Outras técnicas

Uma vez que não foi possível fazer o knock-out das duas cópias dos genes dessa proteína, os cientistas buscaram outras alternativas para o seu estudo. Uma delas foi o uso de proteínas-fake.
A técnica chamada de dominância negativa se baseia na introdução do gene em questão com mutações específicas que, uma vez dentro da célula, esse gene vai produzir a proteína equivalente com todas as características da proteína normal, mas com um pequeno defeito na sua função. O que quer dizer que a célula produzirá proteínas não funcionais e assim pode-se verificar os processos afetados e então estudar o mecanismo equivalente.

Cada artigo é uma pequena peça do quebra-cabeça. Um doutorado tenta montar várias dessas peças pra identificar uma figura nesse jogo. 


1. Lamb JR, Fu V, Wirtz E, Bangs JD. Functional Analysis of the Trypanosomal AAA Protein TbVCP with trans-Dominant ATP Hydrolysis Mutants. J Biol Chem. 2001;276(24):21512–20.
2. Roggy JL, Bangs JD. Molecular cloning and biochemical characterization of a VCP homolog in African trypanosomes. Mol Biochem Parasitol. 1999;98(1):1–15.